Texto Curatorial

Carol Peso apresenta nesta exposição Sobre o nada eu tenho profundidades desconstruções poéticas da paisagem urbana brasileira, alternando entre a pincelada ficcional e o documento. Registra as insignificâncias do nosso cenário cotidiano, esse complexo de referências cujas falhas e irrelevâncias expõem facetas pejadas de afetos e sugestões visuais.

Nesta pesquisa estética, a arquiteta e urbanista se apossa dos pincéis da artista e destrincha a fisionomia das ruas, seus pontos nodais, seus detalhes impressos na memória. Dos quadros pesam banalidades corriqueiras de nossas urbes, sob leitura de quem é cidadã da terra, mas possui bagagem cosmopolita. Já experimentou solo estrangeiro, já fez de Paris sua casa. E na tela a palheta de cores é uma festa! Explode numa versão crua, ao mesmo tempo de romanceado tempero, o caos matizado que desenha a imagem das nossas cidades. A vivência andarilha, de certo modo, aguçou a sensibilidade para a coisa nossa, para o que se destaca aqui nesta aldeia global que virou o mundo, para aquilo que está tão perto da retina e tão longe da atenção dos passantes.

No enquadramento de Carol Peso a cena não cabe por inteiro e se insinua, não tem começo e nem fim, desconstrói-se num olhar fugaz, quase que divisado de soslaio, ao largo do protagonismo humano. Pessoas não há, mas objetos entrecortados do corriqueiro, fragmentos que não merecem apreço, que não possuem crédito. Sem pedigree como um poema de mimeógrafo de Nicolas Behr. “Como sair: a cidade não tem saída, nem entrada, é labirinto.”

Não obstante sua clara nacionalidade, as obras parecem sem endereço, sem genius loci, porque poderiam estar aqui ou ali. Cenas vulgares de lugar algum, cenas de qualquer lugar, cenas da vida de cada um de nós. Com este retrato urbano concreto, tão singelo e tão familiar, nos identificamos. Há uma conciliação entre nós moradores e os objetos invisíveis que nos circundam e que agora, sob o feitiço da arte, atraem inexoravelmente o nosso olhar. Constatamos, então, quase sem nos darmos conta, que em meio ao insignificante habita uma miríade de significados. 

Ana Cecília Rocha Veiga

Arquiteta, Doutora em Arte e Tecnologia da Imagem pela
Escola de Belas Artes da UFMG, professora do curso de
Museologia da UFMG. Webmuseu.org